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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Seringalista do Acre recebe multa milionária por desmatamento feito por posseiros em área de preservação permanente


Severino do Barro Alto

Severino de Souza Oliveira tem 92 anos, nasceu em Orobó (PE) e sonhava ser piloto de avião. Como não havia mais vaga quando tentou se alistar em Natal (RN), aceitou ser recrutado no esforço de guerra como Soldado da Borracha. Viajou de navio durante três meses e desembarcou em Rio Branco (AC) na noite de 24 de dezembro de 1944.
Daquele batalhão de nordestinos transportados até a Amazônia para extrair borracha para os Estados Unidos na II Guerra Mundial, Severino Oliveira era um dos poucos que sabia ler e escrever e naquele ano começou a trabalhar como seringueiro no seringal Barro Alto.
A maioria de seus companheiros de viagem foi dizimada por doenças tropicais, principalmente malária, ou permaneceram o resto da vida explorados em condições análogas ao trabalho escravo nos confins do seringais da Amazônia.
Severino é um dos poucos Soldados da Borracha ainda vivo. Após trabalhar muitos anos como seringueiro, arrendou o seringal e, em meados dos 1950, comprou os 6 mil hectares do Barro Alto, a 25 quilômetros de Rio Branco.
Quando terminou de pagar já era conhecido no Acre como Severino do Barro Alto, o ex-Soldado da Borracha que chegou a ser dono de empresa de terraplanagem com 16 tratores no pátio.
De proprietário a devedor

A vida do seringalista Severino do Barro Alto começou a mudar quando a área foi invadida por posseiros e desapropriada pelo Incra com “valor deficitário” de R$ 1,4 milhões.
A terra nua foi avaliada por técnicos do Incra em R$ 1,7 milhão, mas os custos de recomposição da degradação ambiental da Reserva Legal (R$ 3,1 milhões) e da Área de Preservação Permanente (R$ 82,6 mil) somaram R$ 3,2 milhões.
Como o valor pelos danos ambientais era superior ao da avaliação do imóvel, o Incra pediu a suspensão do levantamento da indenização a favor de Severino do Barro Alto e reverteu ao Tesouro Nacional a diferença de R$ 1,4 milhões, representados em Títulos da Dívida Agrária (TDAs).
No processo de desapropriação, Severino do Barro Alto acabou culpado e responsabilizado por desmatamentos e outros danos ambientais na área do antigo seringal, embora o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) tenha concedido autorizações de desmatamentos aos posseiros da área.
De nada valeram as medidas legais cabíveis para denunciar e responsabilizar os posseiros, que não surtiram efeito pela ineficácia dos órgãos de controle e de justiça.
Nem mesmo a manifestação da superintendência do Ibama, que reconheceu em ofício ao Incra que “a responsabilidade e culpa pelos desmatamentos efetuados e degradação da reserva legal da propriedade” devia ser “imputada aos invasores e posseiros”.
O Comitê de Decisão Regional (CDR) do Incra no Acre também decidiu, de forma unânime, inclusive com o voto do procurador regional do Incra, Vicente Manoel Souza de Brito, pela isenção do proprietário quanto ao passivo ambiental.
Incra reconhece erro
Para o advogado João Tezza, apesar das determinações administrativas, a desapropriação foi proposta com duas violações: valor “deficitário ou negativo”, depositado para o “devedor” Severino do Barro Alto, para imitir a União na posse do imóvel, além de recebimento, em dinheiro, de “crédito” da União, apurado sem o devido processo legal, confiscando o patrimônio do expropriado.
- O procurador Vicente Manoel Souza de Brito vilipendiou o Código de Ética da OAB e desobedeceu criminosamente a administração pública hierarquicamente superior. Ele jamais poderia ter feito um depósito deficitário, ou seja, um depósito de dívida. Juridicamente é ilegal e o fato constitui crime. Administrativamente, como servidor público, praticou um ato ilícito. O silêncio do Ministério Público Federal induziu a justiça em erro material, pois não compete ao Judiciário a apuração de fatos criminosos – afirma Tezza.
Por sua vez, o procurador Vicente Brito afirma que o processo de desapropriação foi elaborado no Acre e analisado e aprovado em Brasília.
- Nós fizemos o que devia ser feito, dentro da legalidade. Não quero comentar as acusações feitas pelo advogado João Tezza. Não estou aqui para servir aos interesses dele, mas da União – alega o procurador do Incra.
Vicente Brito reconhece que o Incra cometeu erro no momento da expedição de Títulos da Dívida Agrária (TDAs) em nome de Severino do Barro Alto. Pagou R$ 1,4 milhão, depositados em TDAs, quando na realidade deveria ter sido de R$ 1,7 milhão.
- A diferença de R$ 255.400,23 é o único valor a ser reparado pelo Incra ao senhor Severino, a ser pago em TDAs. Esse valor ainda será depositado – afirma Brito.
Severino do Barro Alto nunca casou, segundo ele, porque sempre alimentou o sonho de voltar para Pernambuco. No ano passado, trouxe para o Acre uma irmã de 87 anos, que cuida dele.
- Estou sendo injustiçado depois de tantos anos dedicados ao Acre. Nunca desmatei nada porque dependia da floresta para viver da exploração da borracha. Não me conformo com essa situação. Desapropriaram o meu seringal e ainda me responsabilizam pelos danos que os invasores fizeram – lamenta.
Reparação do erro
O caso tramita na Justiça Federal. Após o “depósito negativo”, a defesa entrou com pedido de complementação do valor. O pedido foi negado e entrou com embargo de declaração para que o juiz informasse melhor a decisão.
Como o juiz não esclareceu, entrou com agravo de instrumento cuja liminar requerida também foi negada. Daí entrou com agravo regimental que também foi negado e o agravo de instrumento improvido.
No entanto, não foi publicado, ou seja, ainda não fez efeito e o juízo federal de Rio Branco acelerou a avaliação judicial para julgar a matéria.
Ocorre que, da sentença de primeira instância, como é contra a União, o próprio juiz tem que dela recorrer o que levará anos, até julgados, inclusive os recursos posteriores.
Até lá, só com o trânsito em julgado, de no mínimo 10 anos, Severino não receberá nada de indenização.

Fonte: Site Correia Neto

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